sábado, 17 de março de 2012

COBRANÇA DE IMPOSTOS

[Jornal de Roberto Guedes] Prefeitos devem cobrar impostos

Roberto Guedes
Chegou-nos há poucos dias do Seridó uma notícia que precisa repercutir, e muito bem, em todos os quadrantes do Rio Grande do Norte e do Brasil. A promotora de justiça Marília Regina Soares Cunha, responsável pelo ministério público estadual em Currais Novos, instaurou inquérito civil público com o objetivo de investigar se o prefeito local, engenheiro agrônomo Geraldo Gomes de Oliveira, vem envidando todos os esforços ao alcance da municipalidade para fazer com que os conterrâneos paguem à prefeitura os tributos que por direito pertencem a ela.
Marília Regina exigiu que Geraldo Gomes lhe entregue cópias dos relatórios de receita própria da municipalidade referente ao ano de 2.010, com o demonstrativo dos valores recolhidos com os imposto municipais, relação dos créditos inscritos na dívida ativa durante o exercício e relação de ações de execução fiscal ajuizadas pelo município durante o mesmo período.
Achando pouco, requisitou ainda que o cartório da vara cível da comarca lhe remeta a relação de ações de execução fiscal ajuizadas pelo município a relação das ações de execução fiscal municipal em tramitação em Currais Novos.
É tudo que um prefeito gostaria de nunca receber, principalmente numa véspera de sucessão municipal. Política eleitoral e partidária à parte, sabe-se que, dependendo dos resultados desta ofensiva, Geraldo Gomes e provavelmente o secretário municipal de Tributação, servidor Robert Kennedy de Assunção Gama, podem ser denunciados pela prática de ato de improbidade administrativa. O crime que lhes pode ser imputado é o da negligência na arrecadação de tributos durante um ano de gestão, um no exercício de mandato eletivo e o outro no de cargo de confiança.
Pela terceira vez prefeito de Currais Novos, aonde veio aportar pouco depois de se formar em engenharia agronômica, o pernambucano Geraldo Gomes está muito longe de constituir clichê de prefeito desonesto. O inquérito estadual pode, porém, projetá-lo como emblemático de uma irregularidade que no Rio Grande do Norte atinge 164 dos prefeitos municipais, ressalvados os de Mossoró, Natal e Parnamirim. Estes têm sido, ancestralmente, os municípios desta unidade federativa que cobram seus tributos, os impostos Predial e Territorial Urbano (IPTU), sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) e de transmissão inter vivos, assim como taxas de limpeza e iluminação pública, esta de constitucionalidade “sub judice”.
Moradores de todo o Rio Grande do Norte são bombardeados, pelo menos uma vez a cada ano, por campanhas publicitárias que, através da televisão, tentam motivar o contribuinte a comparecer aos guichês destas três prefeituras. Não sei como se sentem os residentes dos outros municípios aos quais a televisão faz chegar as mensagens de Natal, Mossoró e Parnamirim, mas é possível se portem como seres extra-terrestres recém-chegados ao planeta e colocados diante de questões inteiramente alheias ao que enfrentam em seus mundos. Efetivamente, se não são cobrados por seus prefeitos, não sabem que o danado é esse tal de IPTU.
Deploravelmente, as prefeituras dos menores municípios brasileiros, e principalmente as nordestinas, se empenham em esconder a seus cidadãos uma necessidade que lhes deveria ser inescapável, a de recolherem aos cofres das respectivas prefeituras dinheiros que pertencem a estas. Por ignorância ou sabedoria, porém, os prefeitos insistem em não lhes cobrar o que é devido.
Graças a uma das inúmeras distorções que construíram o Brasil atual, os prefeitos se acostumaram a desconsiderar estas receitas. Alguns as consideram mínimas, indignas de merecerem a atenção e os esforços das municipalidades. A grande maioria se acostumou a entender prefeituras como entes federativos que devem sobreviver somente graças ao que lhes repassa a União, seja através de fundos relativamente estáveis, como o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), seja por intermédio de outras rubricas, como algumas ligadas à educação e à saúde, ou, por último, recebem muitas verbas extras através de dotações parlamentares no Orçamento Geral da União (OGU), assim como ao Orçamento Geral do governo do Estado (OGE). Por último, chegam-lhes também verbas federais maravilhosas, como as que o ministério do Turismo repassa a prefeitos que têm prestígio ou padrinhos parlamentares suficientes para obterem patrocínio federal de mais de trezentos mil reais para promoverem festas faraônicas na temporada junina.
Quem estuda a questão dos municípios no Brasil estranha que a Constituição federal os trate como entes federativos menores, capengas, amputados. Sofrem diversas discriminações em relação aos outros dois. Estes têm poder de polícia e compartimentam a administração em três poderes que lhes dizem efetivo respeito, o executivo, o legislativo e o judiciário. Os municípios não podem fazer isto. Elegem prefeitos e vereadores e até fornecem residências para os juízes que os visitam de terça a quinta-feira, mas não têm poder judiciário municipal e nem nomeiam sua autoridade policial. Estas são autoridades estaduais, ou seja, constituem espaços administrativos indiferentes ao município. Ordinariamente, delegados, juízes e promotores de justiça, nomeados pela instância estadual, passam nos municípios curtas temporadas durante as quais não se efetivam como cidadãos locais, como faziam antigamente alguns magistrados. O saudoso desembargador Amaro Marinho Filho se fez tão cidadão de João Câmara, quando juiz local, que naturalmente terminaria conquistando ali muitos votos de munícipes quando passou a se dedicar à política partidária. O juiz Altanir Borges foi uma das principais lideranças na população de Ceará Mirim, assim como seu colega Cristóvam Praxedes em Currais Novos. Exceções, estes não lograram mostrar a juízes, promotores e delegados de polícia mais novos que devem se sentir residentes nas comarcas, e não meros ocupantes de casas de apoio com residência efetiva na capital e na crônica social da metrópole.
Estas, porém, são as autoridades exógenas ao município, e o que vem ao caso é a omissão dos prefeitos. Inscrevendo-se entre os promotores que efetivamente interagem com o mundo de suas comarcas, Marília Regina é quem cobra a um alcaide  alheio a uma necessidade municipal e a uma obrigação do gestor, a de tentar garantir a autonomia municipal a partir da produção de meios para que o governo possa trabalhar.
O que o ministério público está começando a fazer em Currais Novos precisa se espargir, ser imposto, por quem quer que seja, com poderes para isto, sobre e em todas as comunas do Rio Grande do Norte, para que os burgomestres mudem de atitude diante da necessidade de lembrar que prefeitura não é só dádiva, dação, atendimento ao peditório cotidiano que vicia, fomenta dependência e reforça o prestígio eleitoral.
Prefeitura também é um mundo de deveres, inclusive o de cobrar aos cidadãos para que o governo funcione.

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